segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Mundo mundo vasto mundo


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Eram três irmãos:
Raimundo,
Mundo
e Mundinho
Encontrei-os ao pé da estrada
Descalços e empoeirados

- Bom dia, meninos!
- Dia- responderam-me os três.
- Conhecem a região?
- Éssaqui?
- É... que lugar é este?
- É o Azarão... A gente mora lá imbaxo.
- E vocês sabem onde fica a cidade mais próxima?
- Longe...
- E por esta estrada se chega lá?
- Eu não.- adiantou-se Mundo, o mais risonho e falastrão, de caracoizinhos por cabelo.
- Chega sim sinhô, larga mão de sê tonto, Mundo, que o moço num tá perguntano d'ocê.
- Que é isso, não tem problema! Vocês nunca foram até a cidade?
- Eu já- orgulhou-se o mais velho. Chamava-se Raimundo.- O Mundo é que num foi.
- Eu quase fui- retomou Mundo, frisando o "quase" em sua defesa.
- Como, quase?- perguntei achando graça.
- É qui a gente ia ino, o Raimundo, eu, o Mundinho e mais a mãe. Só qui ela ficô duente...
- E agora está melhor?
- Quem?
- A mãe de vocês.
- Ah, ela? Ela morreu. Gripô feio e num tinha remeudio. Depois o pai levô el'imbora pro lugar dos morto.
- Sei. E ele está por aqui?
- Não, foi viajá cá charrete e as coisa da mãe...
- Mas vocês ficaram sozinhos, então?
- A gente si tem, ingual a mãe mandô: anda sempre junto e cuida um do outro. Qui nem depois quano o Mundinho fico cu'a gripe... A gente cuidô dele.
- Que bom você sarou, não é Mundinho?- perguntei voltando-me ao menorzinho, que se mostrara menos comunicativo.
- Di que o sinhô tá falano?- quis saber o mais velho, olhando-me desconfiado.
- Como assim, Raimundo?
- É qui o Mundinho morreu.

(escrito em junho/08)
*

De cacos e vidros

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Ela devia ter uns trinta e cinco, quarenta e poucos anos. Ninguém suspeitava de nada, na ocasião.
- Mentira! São todos mentirosos!- gritou ela do telhado da mansão de três andares.
- Desce daí, Silvia, que os vizinhos vão chamar a polícia.
Ela deu de ombros. Pois que viesse o exército! Estava cansada! Fingir um sorriso no rosto só por educação. Às favas com os modos! E ele! Nem emoção soltava na voz quando chamava o nome dela? Pois que viessem todos! A imprensa, o grupo de elite, o mundo inteiro! Aquela noite, Silvia queria confusão.

Nunca antes fora assim, sabe, é bom que se faça este parênteses, Silvia crescera sob todas as regras de bom parecer. Comportava-se como uma dama, estudara, sabia três idiomas e era respeitada no meio profissional. Mas acima de tudo, como tinha um marido fiel. Abandonou a carreira por esse homem ao descobrir que a empregada não dava a devida atenção às camisas do esposo. Naturalmente se deixa um emprego sem sentido, quando mais vale um marido fiel. O marido dissera que um filho atrapalharia a liberdade do casal, e, para ser boa companheira, Silvia se esqueceu do sonho de ser mãe, atropelou a criança em seu coração. Mas tinha um marido fiel e repetia isso para todas as amigas. Quando brigavam, porque Silvia teimava fazer birra de mulher mimada, era só ele derreter um silvinha, e ela calava a bagunça no peito, para ouvir o maridão, afinal, não existia outro igual de tão fiel.

Certa feita, porém, um telefonema anônimo descobrira para Silvia as amantes do marido, todas assim, de uma vez. Da família dele, uma prima; do escritório, a secretária; da academia, a professora de alongamento; até do futebol, tinha uma tal que cuidava das chaves do vestiário, vulgo Marcão, para ela não desconfiar.Quanto clichê, de repente, para a Silvia lidar em sua desilusão.

O carro de bombeiros chegou acompanhado da rede de tevê local. Ao vivo transmitiram a história triste da mulher histérica e desregulada que tentava se matar. Um psiquiatra foi chamado para explicar ao espectador algo sobre os devastadores efeitos da depressão e do estresse, mas veio do marido a melhor declaração:

- Deseja dizer algo a sua esposa? O capitão deu a ela um celular para ela conversar com o senhor- disse o repórter estendendo-lhe um aparelho móvel.

- Desce daí, olha só que vergonha! Deixa de drama, Silvia, que você vai me estragar o telhado...

Só então Silvia notou que o telhado sobre sua vida era feito de vidro. E sorriu lá de cima, reconhecendo os cacos irreconciliáveis. Eram ela: olhos, sonhos, coração... eram ela os pedaços espalhados pelo chão...
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