segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Quem era ela...

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Minha mãe faleceu no dia 13 de outubro. Muitas pessoas foram se despedir dessa mulher fantástica, forte e acolhedora, justa e doce. Todos tinham histórias para contar, pedaços de vida que tão bem disseram quem ela foi. Aqui, um texto que escrevi em meu quase esquecido ex-blog, uma homenagem de alguns anos, uma homenagem tão pequenininha para alguém tão grande...



Aos falangistas, as ovelhas!
27/12/2007


Era costume na época e nos isolados campos asturianos, e mamãe então com 12 anos levava as ovelhas ao pasto, no alto de uma montanha para que comessem e passassem o dia. Inúmeras vezes acabava adormecendo sob a sombra de alguma árvore e não foram poucas as ocasiões em que teve de sair atrás de uma ovelha fujona. Normalmente as perseguia ferozmente com um pedaço de pau que, certa vez, atirado para fazer parar a uma fugitiva, acabou quebrando a pata do animal, tendo este de ser sacrificado. Eram tempos de soluções práticas. O que estava por acontecer a ela confirmaria essa necessidade.

Como ficasse todo o dia fora de casa, Oliva sempre levava bastante comida consigo. Certa vez foi acordada com ruídos estranhos, vozes masculinas abafadas que pareciam chamar-lhe pelo nome.

Mal pôde acreditar no que viu em seguida. Homens sujos, barbados, saíam do subsolo e seguiam em sua direção.

Antes de qualquer reação da menina, um deles apressou-se em acalmá-la e se identificar. Não lhe fariam mal. Ele era filho de uma família vizinha à dela. Estava, com um grupo de outros rapazes, escondido dos falangistas nas montanhas há vários meses. Tinham fome.

Na época, os falangistas entravam nas casas e perseguiam os que se opunham ao Generalíssimo Franco. Como não queriam ver seus filhos mortos, e alguns não compartilhavam das idéias do general, muitos se escondiam para que não serem levados presos ou incorporados à falange.

O almoço de minha mãe virou uma anelada refeição para os fugitivos das montanhas, que agradeceram, despediram-se e voltaram a ser engolidos pela terra.

Com a fome apertada, minha mãe voltou mais cedo do que de costume para sua casa. Não se arrependera de tê-los ajudado. Seu próprio irmão era um foragido, e a família temia que estivesse passando frio e fome, ou coisa pior.

Em casa, outra surpresa, agora mais assustadora. Havia um grupo falangista em busca de meu tio José Maria. Um deles pareceu curioso sobre a volta adiantada da menina. Por que ela voltara tão cedo com as ovelhas? Ela culpou à fome que sentia. Não satisfeito, o homem quis saber se ela não tinha levado comida, e frente à constatação da garota de que ficara sem seu almoço, perguntou o motivo. Ela rapidamente lhe apontou os culpados, ou melhor, as culpadas. “Enquanto eu dormia, as ovelhas comeram toda a minha comida! E vê que cara de boazinhas têm? Olhando assim a gente nem diz que são esses demônios!”

Talvez convencido pela naturalidade com que recebera as respostas da jovem e após rápida revista da casa, sem fazer mais perguntas, o grupo partiu.

Mamãe contou então a verdade aos pais. Minha avó não escondeu a preocupação e advertiu a filha do perigo que correra, não tanto nas montanhas, mas em casa. O perigo estava no fato de que ela não se intimidara diante dos falangistas. Mesmo assim Doña Visitación não tocou mais no assunto e tampouco brigou com a filha, voltando de imediato às tarefas que deixara por fazer.

No fundo, meus avós estavam orgulhosos. Minha mãe teve certeza disso quando o pai a abraçou e falou baixinho, com uma voz embargada da que ela se recorda até hoje: “Lo hiciste todo bien, hija mia”.

(Até onde se sabe, os fugitivos das montanhas ainda conseguiram se esconder da falange por algum tempo. O irmão de minha mãe nunca regressou à casa dos pais.)

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(José Maria e Palmira, os irmãos mais velhos e mamãe, a caçula)


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