domingo, 21 de junho de 2009

Longe, através das paredes

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(este é o novo capítulo de Longe, através do véu)
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Capítulo 2- Longe, através das paredes

Ao acordar, o Pepe ouviu barulhos na cozinha e latiu para eu abrir a porta do quarto. Também fui investigar o que era e encontrei mamãe servindo a mesa para o café da manhã. Ela sorriu e me perguntou como tinha dormido. Respondi que bem, enquanto pegava uma torrada quentinha e olhava em volta, procurando pelo maníaco. Será que maníaco e louco eram iguais? O Diego achava que sim, depois de ouvir o pai comentando uma notícia de jornal. É, filho, o mundo está cheio de maníacos, gente louca! Claro, os olhos do Diego brilharam! Ele tinha mais informações sobre meu tio do que eu, sobretudo porque minha mãe nunca me falara dele, só quando precisou ir buscá-lo no hospital de louco. Hospital de louco! Não fale assim, Léo, seu tio pode te ouvir.

Lá estava a estátua da família, sentada no sofá como quem fica no alto de uma montanha, admirando a paisagem. Parecia tão inofensivo, meu doido de cera, que peguei um copo com leite e outra torrada e me sentei na frente dele.

Algumas vezes eu também olhava para trás, só para conferir, pois sentia ele olhando além das paredes de casa, como se houvesse mais, algo que só os loucos conseguem entender. Mamãe ia o quê? Sair? Mas e eu? Fique aqui bonzinho e cuide do seu tio, que eu não demoro. Mas e... se ele der uma de doido? Não houve resposta. Mamãe só me beijou e sorriu de um jeito triste, tanto que meu deu muita pena dela e até do tio, coitado, ele não pediu para estar assim, doente... Doente, isso eu entendia. Também ficava doente algumas vezes e quem fica não gosta de ficar, mas minha mãe cuidava de mim. E ele? Eu teria que cuidar dele? Mãe, volta logo, mãe...
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quinta-feira, 18 de junho de 2009

Longe através do véu

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(Santa audácia a minha, sujeitar minha meia dúzia de leitores a esta experiência, mas aí vai: este texto é um excerto de algo em que venho trabalhando- postarei em capítulos, para quem aguentar segui-lo. O título é provisório.)
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Capítulo 1- Perto demais
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Um dia fomos buscar meu tio para viver com a gente. Mamãe me explicou que ele precisava de nossa ajuda porque ficara deprimido... muito aflito... meio louco. Ao contar aos amigos da escola, começaram a comemorar. Um louco! Você vai ver um louco de verdade!, resmungou o invejoso do Diego. Nunca víramos um louco, e o imaginávamos caminhando sem roupas pelas ruas, falando sozinho, cantando e chorando sem parar. No fundo confesso que fiquei com medo do tio louco. Os olhos dele eram iguais ao espelho do banheiro depois do banho quente, e as mãos, eu lembro, tinham dedos longos de palitos, dobrando e arranhando o vidro dos copos e dos pratos, equilibrando os talheres e deixando alguma comida cair numa garfada e outra. Bem, talvez nem tanto assim... hoje não tenho mais certeza de quais partes daquela semana realmente ocorreram. A sensação é de ter sonhado o que aconteceu comigo naqueles dias e agora estar aqui contando a você um sonho absurdo, com jeito de pesadelo e cara de real.

De qualquer forma, voltando à primeira noite com nosso visitante, sei que encostei uma cadeira na porta do quarto. Ele estava dormindo na sala, perto demais, e eu não sabia do que um louco era capaz, mas o rosto sem riso da mamãe indicou que não devia ser nada bom, nada bom mesmo. O único a dormir feliz aquela noite foi o Pepe, meu vira-latas, porque mamãe não apareceu para tirá-lo de cima da cama como fazia todas as vezes quando pensava que eu já estivesse dormido.
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quinta-feira, 11 de junho de 2009

Dois Pesos

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(Acompanhei na mídia)
Um ex-militar octogenário que luta contra o câncer e já gastou com medicamentos as economias de toda uma vida . Uma senhora, também idosa, que mal pode falar devido a complicações respiratórias. Esses são apenas dois exemplos de cidadãos a quem o governo (municipal, estadual ou federal, não me lembro) deve dinheiro (o famoso precatório- uma ordem de pagamento). Ambos foram favorecidos por decisões judiciais e ainda não ressarcidos. Segundo informações de um telejornal, a Fazenda pública deveria liquidar esse tipo de dívida em até 18 meses. Entretanto, com nos dois exemplos acima, há diversos outros na fila de espera que tiveram o prazo de pagamento ultrapassado em vários anos. Pergunto a quem possa responder: quando a Receita Federal, ou qualquer órgão governamental cobra um cidadão comum, o faz com ameaças que incluem multas seriíssimas e prisão. E no caso de representantes públicos e governo caloteiros, quem vai para a cadeia?
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