segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Quem sai na chuva é para recordar...


Caríssimos, preparem os guarda-chuvas, as galochas, os coletes salva-vidas, parece que entramos no período de chuvas vespertinas na capital paulista. As tempestades, pontualíssimas, atacam entre 15H e 17H, complicando-nos a vida, parando o trânsito, alagando ruas, derrubando árvores e fios de alta-tensão, sem falar de nossa já escassa paciência, que vai, literalmente, por água abaixo. Entretanto, segundo a meteorologia ainda teremos muita chuva pela frente, principalmente na próxima sexta-feira. E, mesmo falando tão mal dessa precipitação atmosférica, vale a pena recordar sua versão romântica, o lirismo em cenas de filmes que não seriam iguais sem a boa e velha chuva...

* Se não começasse a chover logo, temo que Liesl e Rolfe jamais se esconderiam no mirante e dariam o primeiro beijo de amor, em A Noviça Rebelde;


* A chuva foi artista ao delinear o corpo de Elektra para o herói não vidente Demolidor, no filme com Ben Affleck e Jennifer Garner;


* Debaixo de um temporal, Charles e Carrie finalmente se confessam mutuamente enamorados em Quatro Casamentos e Um Funeral;

* Uma chuvinha teimosa e patética é pista incontestável de que algo está muito errado na vida de Truman Burbank, em O Show De Truman;


* "Se a terra se abrisse sob meus pés eu não me moveria até dizer isto: Lois, você aceita se casar comigo?". É o que Clark Kent pergunta, apesar dos raios e trovões, na série Lois e Clark, As Novas Aventuras do Superman. Identidade secreta descoberta, a primeira atitude do herói-cavalheiro será usar sua visão de calor para secar as roupas de Lois Lane;


* A coreografia imortal de Singing in the rain não faria sentido em noite de estio; O chape-chape da chuva é providencial;


* É sob chuva que a personagem de Meryl Streep tem de decidir se salta do carro e do casamento seguro para os braços de um Clint Eastwood solitário e apaixonado. Diferentemente dos demais exemplos, aqui a chuva não é protagonista, mas reforça a sensação de ansiedade em As Pontes de Madison;


* Uma das cenas mais cômicas de Melhor é Impossível se dá quando uma decidida porém recatada Helen Hunt atravessa, sem guarda-chuvas, a cidade chuvosa em direção à casa de Jack Nicholson. Totalmente ensopada, a moça então percebe que sua roupa virou uma segunda pele; ao mesmo tempo, o atencioso anfitrião lhe oferece uma toalha para enxugar... o capacho, que está encharcado;


* Para quem reclama da água em dia de chuva, devia acompanhar a cena dos sapos chovendo em Magnólia. Os anfíbios caíram do céu e modificaram muitas vidas aquela noite.

HD189733b e uma nova promessa de vida

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Em imagens retrospectivas deste nosso velho ano, destaca-se a de um planeta, o HD 189733b, de que até agora não ouvira falar. (Não pude evitar a lembrança de um certo asteróide B612, onde viveriam um pequeno principezinho, uma rosa, alguns brotos de baobás e, quem sabe, um carneiro). Na legenda da foto, a constatação de CO2 na atmosfera do planeta, o que reabre portas à conjectura de existência de vida em outros sistemas além do nosso (o HD189733b, coincidentemente descoberto por um francês, situa-se fora do sistema solar e foi o primeiro nessa localização a ser mapeado). Existirá vida ou não nos bilhões de anos-luz pelo universo, o fato é que sempre imaginaremos, como Saint-Exupéry, alguma espécie inteligente e bondosa a nos procurar, talvez tão ansiosamente quanto é por nós esperada.


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Alguns textos são unicamente registros tolos de uma mente desocupada e talvez devessem permanecer apenas na memória do computador. Mas, pensando melhor, talvez haja algo de bom nas tolices divididas... talvez não...

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Marcadores meramente ilustrativos: tolices de minha inocência que se perde; chuva e morte; rondas pela cidade selvagem

Ontem a tarde estive na Cobasi do Aeroporto comprando ração e, impossibilitada de sair debaixo da tempestade que inundou São Paulo, demorei-me além do normal passeando por seus corredores. Distraía-me com os peixes, os canários e as personatas, embora discorde de aprisioná-los, quando, mais a frente, encontrei a exposição de hamsters e camundongos, bichinhos pelos quais nutro certa aflição, são muito moles e pequeninos.

Um atendente ajeitava a caixa branca com furinhos redondos para ali colocar um desses animaizinhos que seria vendido. Imaginei, por um segundo apenas, a sorte que o premiara, de ser adotado por uma família e ter uma jaula (santa sorte!) só para ele. Em seguida ouvi o vendedor perguntar ao cliente se "aquilo" era para uma cobra, ao que este assentiu. Abriram a tampa aramada e se puseram a escolher a vítima. Só então me dei conta do que estava acontecendo. Um daqueles pobres camundongos, tão miúdos e assustados, agrupando-se aos outros em busca de calor e conforto, serviria de alimento para uma cobra. Restavam-lhe poucos instantes de vida. Como puderam com tamanha frialdade decidir qual deles seria morto? Como o atendente pôde preparar a caixa de transporte com tanta desenvoltura? De olhos marejados, não esperei pelo desfecho da história. Dei-lhe as costas, torcendo intimamente para que o ratinho conseguisse escapar, para que todos os pássaros, cobras e animais enjaulados fossem capazes de fugir. A Revolução dos Bichos! Não custa sonhar...

Eu sei, eu sei, o produto que comprei tem proteína animal e seria inocente de minha parte fingir não estar, eu também, condenando franguinhos ao abate. Mas me choquei ao reconhecer a naturalidade mórbida com que convivemos neste planeta, homens e homens, homens e bichos, deuses e mortais. A mesma a nos fazer crer na quase religiosa lógica do forte estar apto a decidir o destino do fraco, ao qual resta se espremer contra o vidro no meio da serragem para não ser notado e viver ao menos mais um dia. Como disse a grande escritora Marina Colasanti: "a gente se acostuma, mas não devia".
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sábado, 20 de dezembro de 2008

Cadela De (Sem)Rua

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Recentemente me atribuí a deliciosa tarefa de zelar por uma cadela de rua. Susi, como a chamaram quando nasceu, é uma dócil vira-lata de aproximadamente 8 anos e tem residência cativa em uma esquina da Vila Santa Catarina, em São Paulo. Susi sempre viveu na rua, mas, ultimamente, quiçá pelo peso da idade, vem se mostrando mais quietinha, com aquele olharzinho triste de quem está cansando, de quem nunca teve família, nem casa, e apesar de cuidada pela vizinhança, ainda carrega o destino do abandonado, dormitando ao relento em dia de chuva e ventania.


Felizmente há pessoas olhando por ela. Os vizinhos passam pelas imediações e Susi se aproxima, orelhinhas baixas, rabinho abanando, pedindo carinho, coçadinha nas costas e, claro, se quiserem lhe dar comida, não vai achar nada mal. Não raro, para mostrar-se dona do pedaço, Susi persegue um carro ou late grosso para o transeunte desavisado, assustando-o. Tranqüilizem-se, passantes, é só latido! A bichinha, apesar do tamanho respeitável de sua voz, é uma criatura inofensiva, está castrada e devidamente vacinada, obra de um samaritano local.


Na última semana tomei conhecimento de algo bastante triste. Susi agora vai ficar sem rua. Isso mesmo, sem rua! O prédio da esquina, cuja cobertura é usada por Susi para dormir e descansar, onde também lhe colocamos a comida e a água, foi vendido e será demolido, e ela, que desde cedo fez morada ali, terá de reduzir seu território. Os mais próximos igualmente estarão de mudança com a venda do imóvel e ela se verá sem calçada para dormir e sem os rostos mais conhecidos para os quais se render em brincadeiras e afagos. Provavelmente Susi lidará melhor com esse novo abandono e desabrigo do que eu ou seus outros preocupados amigos. Quando nos acostumamos demais à solidão, é bem possível que ela mesma nos sirva de companhia, penso.


Ainda assim, há a amargura de imaginá-la perdendo mais uma vez. Perdendo a chance de reconhecer um local como seu, de saber que nas redondezas existem quem cuidará de atendê-la às pressas caso precise, como quando foi envenenada e teve de ser socorrida e, há poucas semanas, quando foi atingida por um motorista distraído, mas pudemos medicar-lhe o ferimento rapidamente.


Não consigo deixar de me perguntar como Susi enfrentará esse desafio em sua vida, justamente estando mais velhinha, mas tenho certeza de que o fará com a resignação e a pureza dos cães. De minha parte, continuarei atravessando diariamente os 7 quilômetros que me separam do cantinho escolhido por Susi para ficar, apenas para alimentá-la, dar-lhe carinho e atenção. E, para secretamente, consolar-me em sua força.



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Susi, em seu "cãotinho"

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Confissão no Altar do Desperdício

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Não falarei da comida santa de cada dia abandonada no prato e que se não tem como destino a vasilha do cachorro, vai para o lixo. Também não discorrerei acerca da lei que culpa os estabelecimentos doadores de sobras de alimentos aos necessitados, em caso de intoxicação, e ainda cobra imposto sobre doações. O assunto que me traz a estas linhas é o do desperdício de comida perfeitamente boa, e aos montes, praticado cotidianamente nas mesas dos restaurantes que trabalham com o sistema de rodízio, especialmente de carnes.


Recentemente estive em churrascaria na Zona Sul paulistana e o que vi não deve ser muito diferente do presenciado em centenas de estabelecimentos do gênero em todo o país. Porque desejam esbanjar um cardápio farto, os restaurantes costumam servir muito mais do que o freqüentador pode comer; seja por educação do cliente, ou falta dela, este está habituado a pedir excessivamente mais do que consegue consumir. Afinal, o valor do rodízio não está ligado à quantidade de que nos servimos. Talvez devesse se relacionar ao quanto desperdiçamos, assim nos obrigaríamos a agir com bom-senso, dignidade e elegância. Quanto o senhor deixou no prato? "Uma lingüiça e uma rodela de tomate"? R$ 50,00, com serviço incluso! E a senhora? "Salada de maionese, paelha, uma fatia de picanha, meia garrafa de coca-cola..." R$ 90,00, sem o serviço!



Numa mesa de 20 pessoas, impressionei-me ao notar quantas porções de pastéis ficaram intocadas ao mesmo tempo em que nos entupíamos (perdão pelo verbo!) com o bufê de saladas, pratos quentes e carnes. Igualmente, nos pratinhos designados para cartilagens, ossos, cascas, acumulavam-se pedaços de carnes em excelentes condições de consumo, apenas porque estavam mal passados, ou muito passados, ou porque não agradavam ao paladar do comensal. E se deixaram também as batatas, as polentas, as bananas à milanesa que já não tinham espaço no estômago. E não pude evitar de me sentir mal. Mal por não ter coragem de solicitar que toda aquela comida, cujo futuro seria o lixo, fosse ensacada e destinada aos muitos carentes de cada quarteirão da cidade. Fui covarde! Senti-me mal em fazer parte de um grupo incapaz de valorizar a comida que lhe é posta a disposição. Fui imoral! Mal em saber que milhares de outros indivíduos jamais terão sequer idéia do quanto lhes é tirado todos os dias, do quanto tripudiamos de sua eterna fome. Fui cruel!


No entanto, o tempo não pára e o desperdício de ontem já foi superado. Novamente estaremos às mesas dos restaurantes, festejando a orgia gastronômica, tendo a nossa frente, como troféus, os pratos abarrotados de refugos de nossa notável ignorância.



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Geração Crepúsculo

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Pelos corredores do colégio onde trabalho me deparei com diversos alunos lendo um romance pelo qual se declaravam apaixonados: Crepúsculo, de Stephenie Meyer. O livro parece ter conquistado os jovens corações de uma geração pouco afeita à prática da leitura. Vi-os agarrados às páginas, acompanhando a trama com tamanha emoção, que não podiam deixar de recomendar o título a outros colegas e a mim mesma. "Professora, você já leu? Precisa ler! É demais!..."


Comprei. Precisava ler! Como aspirante a escritora precisava ler, como professora de jovens e acanhados leitores, precisava ler. Queria saber o que os cativara tanto. Não foi necessário ir muito além das primeiras linhas para descobrir.


Há a fórmula mágica da identificação. Os adolescentes se identificam com os personagens, estudantes como eles, aborrecidos com as obrigações do colégio, mas ansiosos por contato social. A escola passou a ser o local mais seguro para encontrar outros de sua faixa etária e estabelecer uma relação saudável de amizade, paquera, troca de experiências, etc. A protagonista não é um modelo de beleza, é uma garota normal, como 99,9% das meninas de hoje e sempre, mas tem, como todas, seu quinhão de atrativos. É inteligente, observadora e divide com os leitores uma visão entediada e melancólica da vida, talvez fruto da separação dos pais, da ausência de intimidade com os mesmos, talvez de sua própria condição de adolescente introspectiva numa sociedade que evita o diálogo aberto e franco. Mas, porque a aventura e o amor são ingredientes ansiados pelo ser humano para alcançar a alegria de viver, a protagonista se achará súbita e completamente enamorada por um misterioso colega de classe e envolvida em uma série de aventuras e suspenses de tirar o fôlego.


Lido através dos olhos de meus alunos, Crepúsculo é sensacional. Não me atreveria a ler de outra forma. A história é o que tem de ser e atinge em cheio o público ao qual se destina, instigando-os a sonhar, a sentir, a falar de algo além de programas de televisão e Orkut, embora numa pesquisa superficial tenha encontrado mais de 460 comunidades orkuteiras voltadas para a obra de Meyer e sua recente adaptação para o cinema.


Não façamos análises profundas da qualidade literária da autora americana, isso perde a importância diante do fato de que o livro está cumprindo seu papel e levando nossos jovens à livraria, em busca não só de Crepúsculo, como também de O Morro dos Ventos Uivantes, título citado no livro e que está sendo comentado por tabela, além claro, dos próximos volumes da série de Meyer, um deles já lançado (Lua Nova) e o inédito Eclipse, que promete sair em 27 dias, segundo o site da Editora Intrínseca (com direito a contagem regressiva!). Nota 10 para Crepúsculo, que encontrou o caminho para mostrar ao jovem que a literatura pode não ser tão chata quanto ele desconfiava e ainda revelou um grato leitor onde antes havia, quando muito, um viciado em games e internet.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Meme dos 8 desejos e 8 amigos



A escritora e amiga Claudia, em seu blog Desabafos e Reflexões , convidou-me a participar de um Meme!


"Que diabos é isso?"- pensei.


Devidamente colocado no post de minha "convidadora", segue a explicação da brincadeira, minha lista de desejos e meus 8 blogs convidados.


(Ah, Adorei a brincadeira, Claudia, obrigada!)


"O que é um meme? É tudo que se aprende por cópia a partir de uma outra pessoa. Nos blogs, a moda é a criação de memes específicos. Um blogueiro escreve sobre um determinado tema e convida outros para escreverem sobre o mesmo assunto. Então, vamos ao meme; este tem 3 partes:

Primeira parte - (o tema:) fazer uma lista com 8 desejos." (de Desabafos e Reflexões)


1) Poder trazer de volta os que já partiram e estar sempre ao lado das pessoas/bichos queridos;
2) Encontrar, "de grátis", o remédio citado pela colega Cláudia para qualquer doença, velhice ou feiúra;
3) Ter tempo, saúde, amigos e dinheiro suficiente para viajar pelo mundo, a começar pelo Egito e Irlanda;
4) Não ter mais medo de avião (não dele em si, mas dele caindo comigo dentro!); ou realizar desejo 7;
5) Nunca ter motivos para dizer a mim mesma: 'você não vai conseguir' ;
6) Ter o dom da Telepatia;
7) Ter o dom do Teletransporte, no tempo e no espaço;
8) Realizar todos os meus outros 7 desejos.
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Segunda parte - convidar 8 blogueiros para continuar a brincadeira, comunicando-os por posts em seus blogs.
Marlene, do Cortina Aberta;
Cláudia Cristina, do The moon is in my head;
Bruno Cobbi, do Aprendiz de escritor;
Cris Rogério, do Vivo de Coincidências;
Patrícia, do Patricularidades;
Renata, do Epyphanias;
Roberto Carlos, do Peripatético;
Espero que possam continuar a brincadeira, caso não possam, sem problemas! A parte de listar os blogs e convidar os blogueiros é a mais trabalhosa, mas a brincadeira é interessante.
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Terceira parte - comentar no blog que me convidou (já comentei), e orientar os convidados a publicarem o selo que está no início do post.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Foto: J.M.Faria


O
sol
arde
no casco
nas velas
nas ondas d'alto mar
______________________________________
Mas ele leva o leme como quem chora,
porque não pode mais voltar.
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Algumas portas não deveriam ser abertas


A noite atrás da porta
Algumas portas não deveriam ser abertas. Penso bastante nisso.
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Perdi o sono certa noite quente de verão. Nenhuma brisa, os mosquitos, a ausência de vida nas ruas, nada me deixava dormir. Levantei-me atrás de um copo de leite. Já o tinha entre as mãos e me preparava para bebê-lo quando leves batidas chamaram-me à porta da entrada. Estranhei a visita tardia, mas o chamado insistiu. Depus o copo sobre a mesa e avancei pela sala até a janela. Dali foi possível identificar quem buscava por mim. Reconheci o homem franzino e de terno vinho. Jorge Serrat era seu nome e namorara minha prima durante três anos. Deve ter percebido que o olhava e se virou sorrindo para mim. Acenei em resposta e fui recebê-lo apropriadamente, convidando-o a entrar.
***

Desculpou-se por aparecer tão tarde e sem aviso, mas precisava falar comigo. Era ela. Adélia! Impossível esquecer-se dela! Procurava-a sem descanso porque necessitava retornar urgentemente para a Espanha, de onde se deslocara apenas para revê-la. Seu olhar era todo uma saudade. Notava-se que gostava realmente de minha prima. Vestira-se com esmero, os cabelos cuidados, nenhum fio em desalinho.

Passamos toda a madrugada conversando. Ele me contou de sua vida junto aos pais, já idosos, num vilarejo de casas de pedra. Longe do movimento das metrópoles sentia-se mais miserável e incapaz de superar o rompimento de seu relacionamento. Adélia e ele planejavam o casamento, mas os pais do rapaz pediram que tornasse de imediato para a Europa. Como Adélia não suportasse a idéia de se afastar de sua própria família, e talvez porque não estivesse tão apaixonada quanto ele, optaram pela separação, deixar as coisas andando como fossem, cada um para o seu lado. Jorge, entretanto, não se apanhava mais sem Adélia. Minha prima, por outro lado, recusava-se a mencionar o ex-noivo e tampouco nos permitia nomeá-lo. Proclamava-se feliz como há muito tempo não era.

Combinei de contatá-la e acertar uma entrevista entre nós três, pois antecipava que Adélia não aceitasse vê-lo a sós. Ele passou a noite em casa, no sofá. Eu me deitei e dormi as duas horas que faltavam para o horário em que costumava me levantar.
***

Tomamos café e nos despedimos até o final da tarde, quando eu lhe traria a resposta de Adélia. Queria ter com ela em pessoa, detalhar-lhe o estado melancólico de Jorge, convencê-la, até, a recebê-lo. Não foi possível, ela viajara para o sul onde ficaria até o final de semana. Surpreendi-me deveras entristecido em ter de dar a notícia ao jovem enamorado. Em casa, porém, ele já não me esperava. Não havia rastro de sua presença. Julguei que arrumara toda a roupa de cama, lavara a louça e guardara tudo. Teria desistido, meu protegido, embora soasse decidido na véspera? Ou saíra para espairecer e em breve o teria frente a frente para negar-lhe a chance de rever a mulher amada?
***

Nunca mais o vi. Era fim de tarde do dia 24 de janeiro de 1967. Alguns dias depois que Adélia chegou de viagem, contei-lhe o acontecido. Ela se pôs a chorar. Mostrou-me então uma carta que trazia dobrada dentro da carteira. Em palavras trêmulas, a Sra. Serrat comunicava que seu filho Jorge havia falecido num acidente a caminho do aeroporto. Queria tornar ao Brasil para buscar Adélia, fazê-la esposa. O acidente ocorrera no dia 22 de janeiro daquele mesmo ano, dois dias antes de sua aparição em minha porta.

- Não era ele, dizia Adélia... Não poderia ser...

Questionei a data na carta, minha saúde mental, a sanidade da mãe do rapaz. Mas uma mãe não se confunde com uma coisa assim, ponderou Adélia, não com a morte do único filho.

Jamais confiei em eventos que a ciência não dominasse e ainda espero compreender o que houve de verdade quando acreditei estar diante de um homem dado como morto. Algumas vezes, no entanto, sonho com Jorge Serrat e seu rosto de fina amargura. Desperto então com a nítida sensação de batidas à porta de minha casa. Levanto-me apreensivo, relutante, para encontrar apenas a longa noite do lado de fora.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Grande Desejo

de Adélia Prado
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Não sou matrona, mãe dos Gracos, Cornélia,
sou mulher do povo, mãe de filhos, Adélia.
Faço comida e como.
Aos domingos bato o osso no prato pra chamar o cachorro
e atiro os restos.
Quando dói, grito ai,
quando é bom, fico bruta,
as sensibilidades sem governo.
Mas tenho meus prantos,
claridades atrás do meu estômago humilde
e fortíssima voz pra cânticos de festa.
Quando escrever o livro com o meu nome
e o nome que eu vou pôr nele, vou com ele a uma igreja,
a uma lápide, a um descampado, para chorar, chorar, e chorar,
requintada e esquisita como uma dama
*
***
*
Não sou bela, estátua romana, donzela
sou mulher e ponto.
Nunca fui santa,
sou crua, estou pronta.

Pago minhas contas e cobro.
Não entro em igreja com manto escarlate,
mas visto meu corpo de branco, como quem casa.

Quando nascer de novo,
se me deixarem escolher a forma,
vou querer ser poema de amor
em versos de Adélia.
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Olga Vallejo