sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Confissão no Altar do Desperdício

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Não falarei da comida santa de cada dia abandonada no prato e que se não tem como destino a vasilha do cachorro, vai para o lixo. Também não discorrerei acerca da lei que culpa os estabelecimentos doadores de sobras de alimentos aos necessitados, em caso de intoxicação, e ainda cobra imposto sobre doações. O assunto que me traz a estas linhas é o do desperdício de comida perfeitamente boa, e aos montes, praticado cotidianamente nas mesas dos restaurantes que trabalham com o sistema de rodízio, especialmente de carnes.


Recentemente estive em churrascaria na Zona Sul paulistana e o que vi não deve ser muito diferente do presenciado em centenas de estabelecimentos do gênero em todo o país. Porque desejam esbanjar um cardápio farto, os restaurantes costumam servir muito mais do que o freqüentador pode comer; seja por educação do cliente, ou falta dela, este está habituado a pedir excessivamente mais do que consegue consumir. Afinal, o valor do rodízio não está ligado à quantidade de que nos servimos. Talvez devesse se relacionar ao quanto desperdiçamos, assim nos obrigaríamos a agir com bom-senso, dignidade e elegância. Quanto o senhor deixou no prato? "Uma lingüiça e uma rodela de tomate"? R$ 50,00, com serviço incluso! E a senhora? "Salada de maionese, paelha, uma fatia de picanha, meia garrafa de coca-cola..." R$ 90,00, sem o serviço!



Numa mesa de 20 pessoas, impressionei-me ao notar quantas porções de pastéis ficaram intocadas ao mesmo tempo em que nos entupíamos (perdão pelo verbo!) com o bufê de saladas, pratos quentes e carnes. Igualmente, nos pratinhos designados para cartilagens, ossos, cascas, acumulavam-se pedaços de carnes em excelentes condições de consumo, apenas porque estavam mal passados, ou muito passados, ou porque não agradavam ao paladar do comensal. E se deixaram também as batatas, as polentas, as bananas à milanesa que já não tinham espaço no estômago. E não pude evitar de me sentir mal. Mal por não ter coragem de solicitar que toda aquela comida, cujo futuro seria o lixo, fosse ensacada e destinada aos muitos carentes de cada quarteirão da cidade. Fui covarde! Senti-me mal em fazer parte de um grupo incapaz de valorizar a comida que lhe é posta a disposição. Fui imoral! Mal em saber que milhares de outros indivíduos jamais terão sequer idéia do quanto lhes é tirado todos os dias, do quanto tripudiamos de sua eterna fome. Fui cruel!


No entanto, o tempo não pára e o desperdício de ontem já foi superado. Novamente estaremos às mesas dos restaurantes, festejando a orgia gastronômica, tendo a nossa frente, como troféus, os pratos abarrotados de refugos de nossa notável ignorância.



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