sábado, 20 de dezembro de 2008

Cadela De (Sem)Rua

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Recentemente me atribuí a deliciosa tarefa de zelar por uma cadela de rua. Susi, como a chamaram quando nasceu, é uma dócil vira-lata de aproximadamente 8 anos e tem residência cativa em uma esquina da Vila Santa Catarina, em São Paulo. Susi sempre viveu na rua, mas, ultimamente, quiçá pelo peso da idade, vem se mostrando mais quietinha, com aquele olharzinho triste de quem está cansando, de quem nunca teve família, nem casa, e apesar de cuidada pela vizinhança, ainda carrega o destino do abandonado, dormitando ao relento em dia de chuva e ventania.


Felizmente há pessoas olhando por ela. Os vizinhos passam pelas imediações e Susi se aproxima, orelhinhas baixas, rabinho abanando, pedindo carinho, coçadinha nas costas e, claro, se quiserem lhe dar comida, não vai achar nada mal. Não raro, para mostrar-se dona do pedaço, Susi persegue um carro ou late grosso para o transeunte desavisado, assustando-o. Tranqüilizem-se, passantes, é só latido! A bichinha, apesar do tamanho respeitável de sua voz, é uma criatura inofensiva, está castrada e devidamente vacinada, obra de um samaritano local.


Na última semana tomei conhecimento de algo bastante triste. Susi agora vai ficar sem rua. Isso mesmo, sem rua! O prédio da esquina, cuja cobertura é usada por Susi para dormir e descansar, onde também lhe colocamos a comida e a água, foi vendido e será demolido, e ela, que desde cedo fez morada ali, terá de reduzir seu território. Os mais próximos igualmente estarão de mudança com a venda do imóvel e ela se verá sem calçada para dormir e sem os rostos mais conhecidos para os quais se render em brincadeiras e afagos. Provavelmente Susi lidará melhor com esse novo abandono e desabrigo do que eu ou seus outros preocupados amigos. Quando nos acostumamos demais à solidão, é bem possível que ela mesma nos sirva de companhia, penso.


Ainda assim, há a amargura de imaginá-la perdendo mais uma vez. Perdendo a chance de reconhecer um local como seu, de saber que nas redondezas existem quem cuidará de atendê-la às pressas caso precise, como quando foi envenenada e teve de ser socorrida e, há poucas semanas, quando foi atingida por um motorista distraído, mas pudemos medicar-lhe o ferimento rapidamente.


Não consigo deixar de me perguntar como Susi enfrentará esse desafio em sua vida, justamente estando mais velhinha, mas tenho certeza de que o fará com a resignação e a pureza dos cães. De minha parte, continuarei atravessando diariamente os 7 quilômetros que me separam do cantinho escolhido por Susi para ficar, apenas para alimentá-la, dar-lhe carinho e atenção. E, para secretamente, consolar-me em sua força.



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Susi, em seu "cãotinho"

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