sexta-feira, 10 de julho de 2009

A montanha através da janela

( segue mais um trecho de Longe através do véu )
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Liguei a televisão para distrair a gente, mas ninguém acompanhou nada. Então, meu tio piscou demoradamente os olhões de cílios compridos, e tive a sensação de que só ali é que ele me viu. Minha mãe já volta, eu falei apressadamente.

Daí aconteceu uma coisa muito engraçada. O Pepe pulou no colo dele e começou a fazer festa, dando lambidas no rosto do tio. E ele? Ele riu pro Pepe! E eu sorri, pela primeira vez sem o peso da ausência de minha mãe. Acho que ele reparou como ia perdendo o medo dele, porque me chamou pelo nome e me entregou a bolinha do Pepe. O Pepe correu para mim e eu acabei devolvendo a bola para o tio Fernando. Jogamos umas boas vezes, rindo, cada vez mais solto, do desespero do Pepe. Uma hora o Pepe a alcançou, só que, em vez de agarrar, acabou batendo nela com os dentes, e a bola voou pela vidraça, levando meu tio e eu até a janela para vermos aonde tinha ido parar. Caiu no jardim, acho, mas em que lugar? Só que o tio não respondeu. Nem deve ter ouvido minha pergunta, porque estava encarando a montanha, apoiado com as duas mãos no beiral da janela. Jurei que ele tinha visto alguém conhecido ou foi a montanha enorme, não sei, reparei que os olhos dele estavam cheios de água.

Foi muito esquisito quando ele começou a chorar.

Ela já vem... falei, mais para mim que para ele.
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