domingo, 19 de julho de 2009

Carta à pessoinha que fui...

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À pessoinha que eu fui...

Menina, que barra pesada essa de ser tão tímida! Você tinha toda a pinta de CDF, sabia? Cabelos lisinhos, amarrados em marias-chiquinhas, olhos puxados de oriental, voz calma e baixa, e total atenção nos professores diante de você! Vez ou outra você ouvia suas amigas conversando nas outras carteiras, mas nem escutava o que elas diziam, porque havia uma autoridade na sala de aula, e seria uma enorme vergonha se chamassem sua atenção pela conversa.

E no recreio, a hora da merenda! Você nunca furava a fila como a maioria dos meninos do colégio. E por isso mesmo, às vezes, ficava sem merenda. Você adorava o macarrão, lembra? E morria de raiva quando alguém deixava a comida caída nos bancos de cimento, ou no chão do pátio enorme do João Kopke, em São Paulo. E o leite de soja com bolachas de água-e-sal! Era delicioso! Curioso como as filas nunca terminavam nesses dias de merenda saborosa.

Ah, sua pateta, você se lembra de como chegou ao colégio? Chorava o tempo todo. Sua mãe só ia embora quando você era deixada aos cuidados da professora Teresinha, do pré-primário, sua primeira professora! Depois, sempre que a professora saía da sala, você ia atrás dela! Foi bem estranha aquela vez em que ela abriu a porta do banheiro e deu de cara com você, ali, quietinha, estendendo a mão para não mais ser deixada para trás naquela sala de aula cheia de adultos pequenininhos e completamente malucos! É... você tinha medo das outras crianças, porque elas se comportavam ...como crianças! Mas não você! Você já nasceu velha, quase cismada, eu diria nos olhando a distância...

E os meninos, recorda-se deles? Um tal Marcelo roubou um beijo seu, na escada, quando estavam de saída. Foi no rosto, bem inocente, mas você ficou vermelha como um pimentão! E tinha aquele, o Rildo, sim esse era o nome dele! Ele nunca roubou um beijo seu, embora você nem se importasse tanto se isso acontecesse. Certa vez, porém, ele disse algo sobre as mulheres serem inferiores, principalmente no vôlei, o jogo que vocês disputavam aquela manhã. Na defesa de todas, você lhe deu um tapa na cara! Maneira tímida de dizer que ele era importante... Ele revidou, "deu, levou", disse. Depois veio pedir desculpas, pelo tapa, mantinha o que dissera das mulheres!
Mas era tarde, algo dentro de você estava quebrado...

Aos poucos você fez amizades, a Silvana, quase uma irmã; a Vera, a mais bonita do grupo; a Edésia, a mais bem-humorada de todas... Mas o primeiro grau terminou, e você mudou de colégio... Agora era adolescente! Mais tarde escreverei à adolescente que você foi. Por enquanto, menininha cujo quarto não tem janelas, continue guardando dinheiro no fundo de seu armário. Se alguém vier e quiser levá-la para muito longe, você terá como voltar para casa...


Assinado,
Você Mesma, num futuro onde tudo fez sentido!
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5 comentários:

Gαby Oliveirα!* =)) disse...

Prof, Prof... Eu adorei.
Ou melhor, sempre adoro os seus posts, não é puxando o saco não, é verdadeiro. Eu a admiro muito, pelo jeito como escreve, pelo jeito como é apaixonada pelo que faz, me fascina! Sem contar no seu estilo, moderno e sempre com roupas combinando. (Adoro!)
Nossa Prof, quem te vê, não imagina que você era assim, pois você passa segurança... É prof, a vida nos ensina muito, não é mesmo?!
Estou à espera do próximo post. (rs)

Beeeijo enorme!*

=))

Laura Fuentes disse...

Que delícia essas memórias. Me identifiquei taaaanto. Sobretudo com a timidez e a tendência a ser sempre a menina certinha. Um texto de emocionar.
Tou no banco da frente esperando a etapa adolescência.

Batom e poesias disse...

Esse texto é um exercício fantástico de conversar conosco.
Quem dera eu conseguisse.
Estaria bem longe do Divã.

Vim agradecer a visita e o comentário e aproveito para dizer que adorei o texto e o blog.

bjs
Rossana

Juhh... disse...

Nossa, que lindoo textoo
Adorei, já estou te seguindo
beijinhos

disse...

Adoro: recordar e(é)viver! Creio que o exercício de blogar não só é válido para a experiência da escrita como também muito nos aprofunda enquanto "gente". Identifico-me com uns e outros, rio e descubro que não sou tão estranha quanto pensei ser um dia na escola. É sempre bom lê-la. Bjins e até!